Trio aborda questões sociais nas composições do novo álbum
Por Rafael Bitencourt
“Medida protetiva não foi a solução. O cara ameaçava matar os filhos, a mãe, o que precisar”. Lugar-comum em noticiários policiais de gosto suspeitíssimo e com interpretação limitada da realidade, a narrativa suscita revolta. Tal qual o grande expoente do discutível formato jornalístico, ao fazer “o povo acreditar que a culpa é da favela”. O olhar apurado e crítico marca as letras de “Cenas Brutais”, álbum lançado recentemente pelo trio paulista de thrash metal e crossover Eskröta.
“Cada música é uma situação diferente, tanto em que as mulheres são condicionadas, como minorias em geral, além de outras coisas um pouco mais sanguinárias”, afirma a vocalista e guitarrista Yasmin Amaral, que assina dez das onze faixas do material, em boa parte, juntamente com Tamy Leopoldo (baixo e backing vocal) e outros compositores. O baterista Jhon França completa a formação do trio e é creditado como um dos compositores em uma faixa.
A linha conceitual, dividida por episódios – cada episódio é uma “cena brutal”, saca? –, retrata situações distintas que têm, como essência, o drama enfrentado por muitas mulheres em uma sociedade machista e patriarcal que torna a vida delas um constante cárcere. “A gente escolheu esse mote, tanto o cárcere privado como a mulher que está em cárcere a todo tempo, tendo que se privar de várias escolhas pra conseguir viver em paz”, conta a vocalista.
“Um tema bem pesado, mas super necessário, ainda mais no governo que a gente tem hoje, que rebaixa a gente, nos deixa oprimidas, sem voz”, posiciona-se Yasmin. As canções do disco debatem também assuntos como as mortes causadas pelos rompimentos de barragens e a conduta policial no cotidiano.
“É interessante que o álbum tenha infinitos temas que se encaixam na questão do cárcere, da gente estar aprisionada”, opina Tamy Leopoldo. Entre as situações retratadas, destaque ainda para mutilação genital, exclusão social e opressão, temas abordados de forma direta, em português (apenas uma música é cantada em inglês). “Passar informações através da música é o que a gente quer”, diz a baixista.
PRESENÇA FEMININA NO ROCK – “Cenas Brutais” é o primeiro full-lenght da Eskröta, que surge dois anos após o EP “Eticamente Questionável”, intenso cartão de visita da banda. “As composições são bem diferenciadas do primeiro, em que a gente estava amadurecendo. Nesse segundo álbum, as composições estão mais elaboradas, mais trabalhadas, estou muito orgulhosa”, celebra Tamy.
Martin Furia assina a produção, masterização e mixagem, com cooprudução de Prika Amaral (Nervosa). Entre celebradas participações, o material reúne Hugo Golon (Cemitério) e um time feminino de peso: Prika Amaral, Fernanda Lira (que deixou o Nervosa recentemente para focar em novo projeto) e Mayara Puertas (Torture Squad). “Acho importante ter uma representação feminina, eu me espelhei em bandas de mulheres quando comecei a tocar, então, é muito bom ter referências. A gente tem uma grande responsabilidade, porque as mulheres têm a Eskrota como referência”, afirma a baixista Tamy.
“Antes, eu só curtia o som, depois vi umas colegas minhas tocando e fui animando, inclusive a comprar instrumento, que é caro, mas compensa muito quando você vê que isso faz a diferença. Super compensa persistir e propagar que o rock tem espaço para as mulheres”, opina Yasmin.
Em tempos de pandemia, com a impossibilidade de ir aos rolês para encontrar a galera e curtir um som, a audição de “Cenas Brutais” é uma forma de empoderamento e de se aprofundar no debate das mazelas (inclusive, com indicações de leitura no encarte), enquanto não chega o esperado momento de colar novamente nos shows. “O rock é um movimento de união, acredito na mensagem que a gente pode passar. A gente está aqui porque a gente acredita nisso”, completa a vocalista e guitarrista.